Um camponês vendia no mercado pêras doces e perfumadas, mas muito caras. Diante da carroça de pêras, um monge taoísta pedia esmolas. Ele tinha a túnica esfarrapada e o capuz rasgado.
-Quer fazer a gentileza de dar o fora daqui! - gritou o camponês.
O monge recusou-se a ir embora. Com muita raiva, o camponês começou a insultá-lo. Depois de um tempo, o monge disse:
-Você tem uma quantidade enorme de pêras, e eu, um velho monge maltrapilho, quero uma só. Por que ficar com tanta raiva, se vai perder muito pouco se me der o que estou pedindo?
As pessoas em volta sugeriram que o vendedor de pêras se livrasse do monge dando-lhe uma, não das mais bonitas, claro, para que ele deixasse o lugar, mas o camponês se recusou a aceitar essa idéia.
No fim, um rapazinho de uma birosca ali perto, atordoado com a gritaria, tirou do bolso uns tostões e comprou. Come uma pêra, oferecendo-a ao monge, que prontamente agradeceu o gesto tão caridoso. Em seguida, o monge virou-se para a multidão e disse:
-Nós, religiosos, que deixamos nossas famílias, não conseguimos compreender por que existe tanta avareza. Eu, por exemplo, tenho pêras excelentes, e gostaria muito de reparti-las com vocês.
-Mas, se tem pêras excelentes, por que não come uma delas, em vez de ficar aqui nos aborrecendo? – perguntou um dos homens.
-Porque eu preciso das sementes para plantar – respondeu o monge.
Imediatamente, ele pegou a pêra com as duas mãos e começou a comê-la. Pelo jeito, devia estar bem gostosa. Antes de terminar, pôs as sementes na palma da mão, tirou a pequena pá que carregava na cintura, usada para colher plantas medicinais e começou a cavar um buraco. Quando o buraco ficou pronto, jogou dentro deles as sementes, cobrindo-as com terra.
O monge ficou de pé, examinou com cuidado a cova que tinha feito e disse que precisava regá-la com água quente. Um curioso trouxe um pouco, de uma venda ali perto, e o monge despejou-a devagar sobre a terra recém revolvida.
Todo mundo seguiu seus movimentos com atenção. E nesse instante, saiu da terra um broto, que cresceu, e instantes depois se transformou numa árvore com galhos frondosos. Nem bem as pessoas se recuperaram da surpresa, as flores desabrocharam nos galhos, que se inclinaram, carregados de pêras doces e perfumadas.
O monge taoísta subiu na pereira e começou a colher as pêras dos galhos mais altos, oferecendo-as a quem quisesse. Num piscar de olhos, tudo foi distribuído. O monge pegou então a pá e bateu com ela no tronco da pereira, quebrando-o em pouco tempo. Pôs o tronco nos ombros, com a folhagem, e seguiu tranqüilamente pela rua.
O camponês, que tinha entrado no meio da multidão logo no início, quando o monge tinha começado a plantar as sementes, estava tão fascinado que nem se lembrava mais da carroça. E quando o monge afastou-se, voltou correndo para as suas pêras e teve uma surpresa maior ainda: a carroça estava vazia.
Por fim ele compreendeu o que tinha acontecido. Eram suas as pêras que o monge havia distribuído de maneira tão generosa. Ele percebeu também que a carroça estava sem um dos varais, certamente serrado há bem pouco tempo. Indignado, foi atrás do monge. No canto do muro, estava o varapau que faltava. Era ele, então, o tronco da árvore! Quanto ao taoísta, nunca soube em que direção tinha seguido.
(Pu Songling 1640-1715. Tradução de Márcia Schmaltz e Sérgio Capparelli)
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